A palma forrageira, pilar da pecuária no semiárido, oferece uma base alimentar resiliente e energética. No entanto, a forma como essa forragem é disponibilizada ao rebanho determina a fronteira entre um sistema de subsistência e uma produção zootécnica eficiente e lucrativa.
A decisão entre permitir o pastejo direto dos animais no palmal ou adotar o sistema de corte e fornecimento no cocho é um dos pontos de manejo mais críticos e impactantes para qualquer produtor.
À primeira vista, o pastejo direto pode parecer a opção mais natural, simples e econômica, exigindo menos mão de obra e infraestrutura. Contudo, uma análise mais aprofundada revela que essa aparente simplicidade esconde custos elevados em desperdício e degradação, especialmente quando não há um manejo adequado.
Por outro lado, o sistema de corte e fornecimento no cocho, embora mais trabalhoso, representa uma abordagem técnica que maximiza o aproveitamento do alimento, a saúde do rebanho e o retorno financeiro.
Este artigo detalha as duas metodologias, expondo as vantagens, desvantagens e, crucialmente, o papel da gestão em cada uma, para que o produtor possa tomar uma decisão informada, estratégica e alinhada com os objetivos de sua propriedade.
O sistema de pastejo direto: a armadilha da simplicidade
O pastejo direto consiste em permitir que os animais entrem na área cultivada e consumam a forragem diretamente da planta. É fundamental distinguir entre o pastejo contínuo (largando os animais na área toda) e o pastejo rotacionado (dividindo a área em piquetes). A viabilidade do sistema depende inteiramente dessa gestão.
As supostas vantagens do pastejo direto
Os defensores deste método citam a economia de recursos como seu principal atrativo:
- Baixa exigência de mão de obra: Elimina a necessidade de cortar, picar e transportar a forragem diariamente.
- Redução de investimento em equipamentos: Dispensa a compra de uma máquina forrageira.
- Menor infraestrutura: A necessidade de cochos é minimizada ou eliminada, embora exija investimento em cercas para a rotação.
As desvantagens no sistema contínuo e os custos ocultos
Quando o pastejo é feito de forma contínua, sem rotação, as desvantagens são severas e comprometem o sistema:
- Desperdício massivo de forragem: A perda de alimento pode ultrapassar 50%. Os animais pisoteiam e danificam os cladódios, que se contaminam com terra e fezes. O consumo é desuniforme, com preferência pelos brotos mais tenros.
- Impossibilidade de controle nutricional: É praticamente impossível garantir que os animais consumam a suplementação necessária para corrigir as deficiências de proteína e fibra da palma. Isso leva à perda de condição corporal e ao risco elevado de distúrbios metabólicos, como a acidose ruminal.
- Degradação acelerada do palmal: O pisoteio constante compacta o solo e os animais danificam a estrutura das plantas de forma desordenada, consumindo as gemas de brotação, o que compromete a recuperação e a produtividade futura do palmal.
- Riscos sanitários elevados: O contato direto com o solo e fezes aumenta o risco de infestação por parasitas gastrointestinais (verminoses).
O manejo como chave: o potencial do pastejo rotacionado
Como você bem apontou, a gestão pode transformar o pastejo direto. O sistema rotacionado, onde o palmal é dividido em piquetes e os animais mudam de área periodicamente, mitiga muitos dos problemas e introduz benefícios importantes:
- Recuperação do palmal: O período de descanso é a principal vantagem. Enquanto os animais estão em um piquete, os outros se recuperam, rebrotam e reconstituem suas reservas. Isso garante a sustentabilidade e a perenidade da área.
- Adubação natural: O esterco e a urina dos animais são distribuídos de forma mais uniforme nos piquetes, funcionando como uma adubação orgânica e gratuita que melhora a fertilidade do solo.
- Adensamento natural: Os cladódios que se desprendem e caem no solo (o que seria desperdício) têm a chance de enraizar durante o período de descanso do piquete, originando novas plantas. Com o tempo, isso pode aumentar a densidade do palmal, elevando a oferta de forragem.
O grande segredo, como mencionado, está na gestão: definir o tamanho correto dos piquetes, o número de animais por área e, principalmente, o tempo de ocupação e de descanso, que deve ser rigorosamente respeitado.
O sistema de corte e fornecimento no cocho: a escolha pela eficiência
Este sistema, também conhecido como “cut and carry”, envolve a colheita diária dos cladódios, o processamento em máquina forrageira e o fornecimento em cochos.
Os desafios do sistema de cocho
- Maior exigência de mão de obra: Requer uma rotina diária de colheita, processamento e distribuição.
- Investimento inicial: É necessária a aquisição de uma máquina forrageira e a construção de cochos.
As vantagens decisivas do fornecimento no cocho
- Aproveitamento integral da forragem: O desperdício é praticamente nulo (próximo de 100%). Uma mesma área de palmal pode alimentar um número muito maior de animais.
- Controle nutricional absoluto e preciso: Esta é a maior vantagem estratégica. O cocho permite a formulação de uma dieta completa, misturando a palma com fontes de proteína, fibra e minerais de forma homogênea. O resultado é uma Ração Total Misturada (TMR), garantindo que cada bocado seja balanceado.
- Maximizaçāo do desempenho animal: Com uma dieta de precisão, os animais expressam seu máximo potencial genético. A conversão alimentar melhora drasticamente, resultando em maior produção de leite e ganho de peso mais rápido.
- Sustentabilidade e longevidade do palmal: A colheita é feita de forma seletiva, respeitando a fisiologia da planta. Não há compactação do solo, garantindo a alta produtividade do palmal por décadas.
- Melhora na sanidade e no manejo do rebanho: Reduz o contato com parasitas e permite a observação diária individual dos animais, facilitando a identificação de problemas de saúde.
Tabela comparativa: Pastejo direto vs. Fornecimento no cocho
Critério | Pastejo Direto (Manejado) | Corte e Fornecimento no Cocho |
---|---|---|
Aproveitamento da Forragem | Mediano a Bom | Excelente (95-100%) |
Controle da Dieta | Limitado | Total e Preciso |
Eficiência Produtiva | Mediana | Alta a Máxima |
Risco de Acidose | Moderado a Alto | Baixo (controlado com fibra) |
Sustentabilidade do Palmal | Boa (com manejo rigoroso) | Alta (longevidade da área) |
Investimento Inicial | Baixo (cercas) | Moderado a Alto (máquina) |
Custo com Mão de Obra | Baixo | Alto |
Retorno sobre o Investimento | Moderado | Rápido e Elevado |
Uma decisão estratégica pela produtividade
A escolha entre o pastejo direto — mesmo em sua forma manejada e rotacionada — e o fornecimento no cocho é, em essência, uma escolha entre um sistema semi-intensivo e um sistema de produção intensivo e controlado. O pastejo rotacionado é uma evolução imensa sobre o pastejo contínuo, tornando-se uma alternativa viável e sustentável.
Contudo, para o produtor que busca o máximo controle nutricional, a mais alta eficiência de conversão alimentar e o maior retorno produtivo por hectare, o sistema de corte e fornecimento no cocho continua sendo a abordagem tecnicamente superior.
Ele transforma a planta em um superalimento, serve como base para uma nutrição de precisão e impulsiona o desempenho do rebanho a patamares superiores, representando um passo fundamental para um negócio pecuário moderno e verdadeiramente sustentável.