Sabe aquela sensação de escrever uma redação do ENEM, achar que arrasou, mas a nota não veio? É uma experiência frustrante, não é mesmo?
Você se dedica, estuda o tema, mas parece que falta algo. Um detalhe para que a banca examinadora realmente compre sua ideia.
Isso acontece porque, no ENEM, ir além dos fatos é um imperativo. É preciso construir uma arquitetura persuasiva tão robusta que conduza o leitor à aceitação da sua tese.
E é aí que entra uma ferramenta poderosa, vinda da filosofia e da retórica: a Teoria da Argumentação de Perelman.
Ela não é apenas sobre citar um autor famoso. É sobre entender que cada palavra e cada parágrafo têm um único objetivo: conquistar quem lê.
Vamos transformar essa jornada de escrita. Prepare-se para uma virada de chave!
Conheça o seu verdadeiro leitor
Pense bem: quem é o seu “público” na redação do ENEM? Não é um grupo passivo e qualquer.
A premissa central de Perelman é o auditório — o conjunto de indivíduos que você deseja influenciar. No ENEM, esse auditório é a banca examinadora.
Sim, são seres humanos, mas treinados e com critérios muito claros. Entender essa audiência específica é o primeiro passo para a vitória.
É como saber o idioma de quem você quer conversar. Quais são os valores deles? O que eles esperam de um texto?
O que seu corretor espera
Perelman fala do Auditório Universal, um ideal de todos os seres racionais. Mas, no ENEM, lidamos com um Auditório Específico Qualificado.
Não é qualquer verdade que eles aceitam. A banca espera argumentos que ressoem com os valores da Constituição Federal.
Direitos humanos, cidadania e inclusão são os pilares que sustentam a avaliação.
Imagine tentar convencer um matemático usando apenas a beleza de uma pintura. Ele quer provas, números, lógica pura.
O corretor do ENEM aceita melhor a força de um argumento de autoridade ou a solidez de um exemplo pertinente.
A persuasão mora na sua habilidade de articular o conhecimento de um jeito que se encaixe perfeitamente na grade de avaliação.
O fio que conecta tudo
Para o ENEM, a coerência é o pré-requisito para a adesão do leitor. Se seu argumento se contradiz, ele falha.
A estratégia? Garantir que cada argumento, estruturado pela Teoria da Argumentação de Perelman, reforce a trama principal da sua redação.
Nenhum fio pode desviar ou desfazer o tecido. Tudo precisa estar interligado.
Os tipos de argumentos matadores
A Nova Retórica de Perelman categoriza argumentos pela forma como se conectam com o que seu auditório já conhece e aceita.
Para criar parágrafos que realmente convençam, precisamos dominar e aplicar essas famílias argumentativas de forma criativa.
Uma lógica que não parece
Estes são os argumentos quase-lógicos. Eles tentam imitar a estrutura formal da lógica, mas com a flexibilidade da persuasão.
São pontes conceituais, conectando o senso comum a uma tese mais elaborada no ENEM.
O poder de um paradoxo
Um argumento quase-lógico poderoso é o uso do paradoxo para expor uma contradição.
Pois é, o paradoxo a revela.
Imagine que você discute a violência urbana. Você poderia argumentar: “Se a sociedade prioriza a vida, mas tolera a precarização da saúde, estamos diante de um paradoxo de valores.”
A crença na vida se mostra apenas retórica, porque a ação — ou a inação — a desmente.
Este uso do paradoxo não é uma lógica fria, mas uma exposição da falha na coerência da prática social.
Quando os fatos convencem
Esses são os argumentos que emprestam a estrutura do real. São os mais tangíveis e, por isso, muito usados.
Apoiam-se em fatos observáveis, relações de causa-consequência ou exemplos concretos. O segredo? Escolher as relações mais impactantes.
O dominó das suas ideias
No ENEM, a relação de causa e consequência é vital. Mas ir além da descrição simples é o que diferencia você.
Você precisa demonstrar a inevitabilidade da consequência. Use dados e fatos históricos para fortalecer essa ligação.
Pense no acesso à tecnologia. Um argumento seria: “A migração de serviços para plataformas digitais (causa) está produzindo uma consequência direta: a marginalização de idosos.”
Essa exclusão não é um mero efeito colateral. É uma decorrência estrutural da modernização sem planejamento inclusivo.
Um exemplo que diz tudo
Enquanto a sucessão olha para o tempo, a coexistência foca no que ocorre simultaneamente. O exemplo é o ápice aqui.
Uma instância particular que ilustra uma regra geral.
Crucial: seu exemplo não pode ser genérico. Ele deve ser específico o bastante para ter peso, mas universal para a banca entender.
Crie realidades com as palavras
Estes são os argumentos que fundamentam a estrutura do real. Eles criam novas formas de entender o mundo.
A Analogia e a Metáfora são ferramentas poderosas. Elas apelam à imaginação, tornando conceitos abstratos imediatamente palatáveis.
Muitos usam analogia como adorno. Mas um uso estratégico, como ensina a Teoria da Argumentação de Perelman, transfere valor de um domínio já estabelecido para o seu.
Se o tema é a fragilidade da democracia, você pode argumentar: “A polarização transforma o debate público em um campo de batalha estéril.”
“A democracia funciona menos como um fórum deliberativo e mais como um navio de guerra (uma analogia que transfere valores de conflito).”
A força aqui é impor a estrutura do “navio de guerra” sobre a realidade política. Isso redefine como o leitor deve interpretá-la.
Onde tudo realmente começa
A verdadeira sofisticação na aplicação da Teoria da Argumentação de Perelman está na escolha das premissas.
Perelman define loci (lugares comuns) como pontos de partida. No ENEM, os mais eficazes apelam a valores éticos, jurídicos e sociais.
Os valores que o corretor ama
A banca valoriza redações com senso crítico dentro do marco legal brasileiro. Então, use loci baseados em princípios constitucionais.
| Locus Preferido pelo Auditório | Exemplo de Premissa de Partida | Tipo de Argumento Ideal para Seguir |
|---|---|---|
| O da Quantidade/Maioria | “É inaceitável que a maioria dos cidadãos suporte um ônus enquanto uma minoria se beneficia.” | Argumentos de Sucessão (Causa-Consequência da desigualdade). |
| O da Ordem/Hierarquia | “A preservação da dignidade humana deve preceder qualquer interesse econômico particular.” | Argumentos Quase-Lógicos (Paradoxo entre interesse e valor). |
| O da Existência/Essência | “Se a essência do ser humano é ser social, a exclusão digital ataca sua existência plena.” | Argumentos que Fundamentam o Real (Metáfora da conectividade). |
Escolher o locus certo é a primeira decisão estratégica em cada parágrafo.
A estrutura da sua obra-prima
A Teoria da Argumentação de Perelman se manifesta na organização sequencial das suas ideias.
A introdução estabelece a adesão à tese. Os parágrafos de desenvolvimento solidificam essa adesão.
Tudo isso conduz o leitor, naturalmente, à sua proposta de intervenção.
O começo que convence
A introdução mapeia o terreno. Apresenta o tema e, crucialmente, define as premissas que basearão seus argumentos.
Se sua tese é sobre saúde mental, sua introdução pode usar um locus forte, como a falha do Estado em prover infraestrutura.
Isso prepara o auditório para aceitar os argumentos de causa e consequência que virão a seguir.
A sua torre de argumentos
A ordem dos argumentos é tão vital quanto o conteúdo. Uma sugestão de progressão para intensificar a força persuasiva:
D1: O argumento de estabelecimento: Comece com o mais acessível. Use fatos ou analogias que o leitor reconhece facilmente.
D2: O argumento de profundidade: Aqui, use o argumento causal ou a analogia mais sofisticada. Mostre as implicações sistêmicas do problema.
D3: O argumento de confronto: Este parágrafo costuma usar um argumento de autoridade (uma citação) ou um paradoxo para desmoralizar uma visão contrária.
Seguindo essa progressão, seu texto deixa de ser uma coleção de fatos soltos. Ele se transforma em um caminho cuidadosamente pavimentado.
Um caminho que “obriga” o leitor a seguir sua rota lógica. O resultado? Uma argumentação percebida como irrefutável.
Pronto para transformar sua escrita? A Teoria da Argumentação de Perelman é o seu guia. Molde sua obra-prima a cada ideia.
Perguntas frequentes (FAQ)
O que é a Teoria da Argumentação de Perelman e sua relevância para o ENEM?
A Teoria da Argumentação de Perelman, também conhecida como Nova Retórica, é uma ferramenta filosófica que ensina a construir uma arquitetura persuasiva robusta. No ENEM, ela é crucial para ir além dos fatos, ajudando o estudante a “conquistar” a banca examinadora ao estruturar argumentos que ressoam com seus valores e expectativas, transformando a dissertação em um discurso de convicção.
Quem é o “auditório” da redação do ENEM na Teoria de Perelman?
Na Teoria de Perelman, o “auditório” é o conjunto de indivíduos que você deseja influenciar. Para a redação do ENEM, o auditório é a banca examinadora. Eles são um “Auditório Específico Qualificado”, ou seja, seres humanos treinados com critérios claros, que esperam argumentos alinhados aos valores da Constituição Federal (direitos humanos, cidadania, inclusão) e ao conhecimento esperado de um estudante de ensino médio.
Quais tipos de argumentos Perelman destaca para uma redação ENEM persuasiva?
A Nova Retórica de Perelman categoriza argumentos em: “quase-lógicos” (como o paradoxo, que expõe contradições), “que emprestam a estrutura do real” (como causa e consequência, e exemplos concretos) e “que fundamentam a estrutura do real” (como analogias e metáforas, que criam novas formas de entender). Cada tipo visa conectar-se com o que o auditório já conhece e aceita.
Como usar paradoxos e argumentos de causa-consequência na redação do ENEM?
Para usar o paradoxo, exponha uma contradição entre uma premissa aceita (ex: priorizar a vida) e uma realidade factual (ex: precarização de serviços), forçando o leitor a concordar com a necessidade de correção. Para causa-consequência, demonstre a inevitabilidade ou alta probabilidade de uma consequência a partir de uma causa, usando dados, fatos ou exemplos que fortaleçam essa ligação, como a exclusão digital decorrente da migração de serviços.
O que são “loci” e como escolhê-los para a redação do ENEM?
“Loci” (lugares comuns) são os pontos de partida ou premissas que iniciam seus argumentos, conforme Perelman. No ENEM, os “loci” mais eficazes apelam diretamente aos valores éticos, jurídicos e sociais que permeiam a matriz curricular e a Constituição Federal, como o Locus da Quantidade/Maioria, da Ordem/Hierarquia ou da Existência/Essência. Escolher o “locus” certo define o terreno do seu argumento, garantindo que a premissa já seja aceita pelo corretor.
Como estruturar D1, D2 e D3 da redação do ENEM com a Teoria de Perelman?
A progressão sugerida é: D1 (estabelecimento), com fatos ou analogias acessíveis, validando sua abordagem; D2 (profundidade), com argumentos causais ou analogias sofisticadas, mostrando implicações sistêmicas; e D3 (confronto), usando argumento de autoridade, paradoxo ou refutação para solidificar a tese ou reforçar a urgência da intervenção. Essa ordem cria um caminho lógico e persuasivo para o corretor.
